Sozinha em Bangkok

Foi uma experiência incrível, apesar dos cinco minutos iniciais de insegurança máxima.  Explico: Bangkok é dividida por um rio, o Chao Praya, e andar de um lado para o outro não é tarefa das mais fáceis. Pelo contrário. Imagine dezenas de linhas de metrô para cima e para baixo, só que fluviais, e a barreira com a língua — o tailandês não tem nenhuma semelhança com o português. Poucas pessoas falam inglês. Era ir à luta ou ficar no apartamento mofando enquanto o Eugenio, meu marido, na época, trabalhava, e a vida corria lá fora.

Ele me levou até a balsa e lá fui eu. Em Bangkok praticamente cada prédio tem um barco para fazer a ligação entre as duas margens.

Atravessei para o outro lado, comprei um bilhete de hop on hop off de barco, daqueles que você sobe e desce onde quer, e me preparei para desembarcar  no píer Wat Arun para ver o templo Wat Pho, onde fica o Buda reclinado, uma imagem gigantesca com 46 metros de comprimento e 15 de altura. Olhei o mapa, não entendi direito, mas, felizmente, tinha uma gravação com os nomes em inglês.

Sentei no andar de cima do barco e, na hora em que o vento começou a bater, fui aos poucos retomando a sensação de quem sempre fui: uma pessoa independente, sem muitos medos, muito ligada na vida e nos seus desafios.

Até onde dar voos solitários?

Desde que começamos a viagem pela Ásia, no início de janeiro de 2018,  andei bem tímida  em me aventurar por conta própria.

No Japão, nossa primeira parada,  até que daria, pois os japoneses, apesar de praticamente não falarem inglês, são extremamente gentis, fazem o máximo para dar a informação, e as linhas de metrô em Tokyo cobrem praticamente a cidade toda. Em Kyoto já é um pouco mais complicado, pois a linha é menos extensa e é preciso andar de ônibus,  mas nada que não dê para encarar.

Também poderia usar o Google tradutor, que quebra um baita galho, ou o Google Maps para traçar os trajetos,  mas resolvi não dar grandes voos solitários. Além disso, como o Eugenio morou em Tokyo por dois anos, tudo ficou mais fácil.

Na China, por mais que fosse legal dar uma voltinha, não ousei nem em pensamento. Os chineses falam menos inglês que os japoneses, não são grandes fãs de estrangeiros e rola uma espécie de malandragem, principalmente em Pequim, com motoristas de táxi sempre querendo tirar vantagem, cobrando a mais do que deu no taxímetro, não dando o troco correto…. Enfim, o mar não estava para peixe. Fora o frio de – 6 graus que acaba com qualquer vontade de independência.

Enfim, voltando a Bangkok e ao templo do Buda reclinado. Com o mapa em mãos, desci no píer certo, mas descobri que para ir para o templo teria que atravessar o rio mais uma vez. E mais uma vez eu consegui.

Mas, antes, fui andando pela beira d’água e entrei num pequeno templo maravilhoso, com dezenas de Budas dourados perfilados nas paredes externas e um altar deslumbrante numa sala repleta de imagens e flores. E eu ia ficando cada vez mais feliz de poder estar lá vendo e vivendo coisas tão bonitas. Acendi uma pequena vela amarela, três incensos, agradeci tudo que recebi até hoje e saí. Sozinha, no meu tempo….e sem medo.

Dissolvendo os perigos fabricados pela mente

Medo do quê? De não achar o caminho de volta? O que mais poderia dar de errado? Absolutamente nada. Que desperdício teria sido perder tudo isso, algo que estava apenas começando.

Voltei a andar na direção da balsa, atravessei sem problemas e fui para o templo. No caminho, olhei várias lojinhas sem ninguém atrás me apressando, comprei manga e abacaxi – em Bangkok tem uma grande variedade de frutas em cada esquina, e de comidas também -, e, finamente, cheguei. Não dá para descrever tamanha beleza.

Fui me perdendo por entre as gigantescas pagodas (ou estupas) muito comuns no budismo, semelhantes a torres com a base larga que vão  afinando em direção ao céu. Neste templo existem 99, número que denota a imperfeição e a nossa constante busca para chegar a 100. Cada uma delas é forrada por milhares de pequenas pastilhas de azulejo e espelhos vindos da China, que formam desenhos lindos.

Enquanto buscava o local da imagem, encontrei a escola de massagem do templo e agendei uma sessão de tailandesa. Ali, funciona uma escola bem legal de formação de profissionais.

Como as vagas são muito disputadas, tive que esperar meia hora até a minha vez. Aproveitei esse tempinho para continuar minha busca. 

Finalmente cheguei e tive sorte de não ter muita gente. Não dá para descrever a emoção de ver aquele Buda gigantesco todo dourado reclinado de lado com um meio sorriso no rosto.  Acho que é a coisa mais bonita e impactante que presenciei na vida, e olha que vi coisas fantásticas nessa viagem, e poderia não ter visto por causa de uma insegurança boba.

Isso me fez pensar: quantas coisas a gente deixa de viver por medo? Claro, existem situações muito mais difíceis mas, seja como for, a paralisia não é boa conselheira. Pelo contrário, nos impede de crescer, de olhar para fora, e de olhar para dentro. Enfim, de viver e perceber que nunca é tarde para se encantar e de aprender com o longo caminho que ainda temos pela frente.

 

Gostou desse conteúdo? Compartilhe nas redes sociais

Respostas de 2

  1. Lindo relato Carla, de descobrimento por fora e por dentro. O medo nos paralisa e nos impede de ver a vida, tão cheia de novidades, de belezas como as que está descobrindo. Reencontrar-se com a pessoa que sempre foi, corajosa e livre, sem dúvida deve ter sido uma emoção tão grande quanto a de ver o imenso Buda deitado sorrindo para você!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts relacionados