Fantasias sexuais são traição?, por Sylvia Loeb

A vida psíquica tem uma complexidade, uma variedade de afetos, de influências externas. Cada pessoa a cada momento imagina, fantasia, cria, sonha. Somos seres de imaginação. Temos a faculdade de pensar o que quisermos, liberdade de fantasiar o que quisermos e, eventualmente, transformar essa fantasia em uma obra de arte, em um livro, em um projeto.

De acordo com a teoria freudiana, as fantasias representam uma forma de leitura subjetiva, organizada a partir dos desejos e dos mecanismos de defesa, da realidade dos fatos. Trata-se do que Freud, criador da psicanálise, denomina realidade psíquica, a qual tem suas bases na infância e nas fantasias que herdamos da nossa ancestralidade. Nossa fantasia não é controlável, ela foge à nossa determinação, embora possa ser reprimida, negada. Ela tem a característica, porém, se reprimida, de voltar insistentemente, de atormentar quem não quer saber dela.

O mesmo acontece com nosso pensamento. Quem já não experimentou pensamentos que nos tomam e dos quais não podemos nos livrar? Na melhor das hipóteses conseguimos controlar nosso comportamento e, mesmo assim, muitas vezes, ele escapa ao nosso controle, principalmente através dos lapsos de linguagem ou mesmo de atuações.

Voltemos à pergunta: é traição ao companheiro ou companheira ter fantasias sexuais?

De modo geral, o casamento – e mesmo o namoro “sério” – é uma relação onde as pessoas acreditam que um tem direito em relação ao corpo do outro, onde um é proprietário do corpo do outro.

Trata-se de um pacto entre duas pessoas que, tradicionalmente, implica fidelidade, ou seja, as pessoas se encontram, se envolvem pelo desejo, ficam juntas e estabelecem um pacto que, mesmo não explicitado, é o pacto da fidelidade.

Desejo + pacto+ contrato de fidelidade = estabelece-se uma promessa

O ideal é que essa promessa de fidelidade baseada do desejo e no amor se estenda por muitos e muitos anos. É o que o casamento tradicional propõe: ficaremos juntos pelo resto de nossas vidas.

O que é muito problemático, pois quem garante que o meu desejo de hoje será o mesmo de amanhã e de amanhã e de amanhã, até que a morte nos separe? Nosso desejo não é controlável pelo sujeito; claro que a gente o modifica, o orienta, o recusa, enfim, fazemos uma negociação com ele. É a condição de preservar alguma continuidade nas relações.

A traição, porém, é o destino lógico de qualquer relação, pois é muito raro que uma pessoa passe a vida inteira desejando aquela e tão somente aquela pessoa e vice-versa.

O desejo olha para o lado e o ideal seria que, apesar disso, eu volto meu olhar para você e escolho você novamente. É o desejo que se confirma, é a retomada da promessa feita. Assim se explicam os longos casamentos, feitos de crises, separações, reencontros…

Muitas vezes, fantasias sexuais até salvam casamentos

Muitas vezes, essas fantasias passam a ser um tempero a mais na relação do casal, muitas vezes elas passam a ser um terceiro que é colocado na cama do casal.

Lacan, psicanalista francês, dizia que não existe relação sexual e que a cama tem no mínimo quatro pessoas. Desejar, fantasiar não significa passar ao ato. Se isso acontecer, isto é, se passarem ao ato, as condições mudam: do campo imaginário passamos ao campo da realidade factual, com seus possíveis desdobramentos. Um deles é que essas duas pessoas dialoguem e decidam se mantêm a relação e tentam superar essa dor ou se rompem.

Outra possibilidade é que se estabeleçam em uma situação neurótica de sofrimento em que não consigam resolver nada a não ser ficarem presos a acusações e culpabilidade. Ou então, entrem em um modo vingança, no qual uma traição se paga com outra.

As relações humanas têm a ver com a lógica do desejo, não a da norma, não a do certo e errado, não a da promessa. Somos seres de desejo. Ele é móvel e gera confusão nas vidas ou nas relações baseadas na norma do certo ou errado, no proibido.

Penso que a pergunta, se é traição ao companheiro ou companheira fantasiar, tem a ver com uma visão mais moralista ou religiosa do amor, baseado na norma. Mas o desejo, assim como a fantasia, fogem à norma.

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