Arte de envelhecer: bate-papo com Sylvia Loeb

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Sylvia Loeb completará 80 anos em dezembro de 2023. Psicanalista experiente, com um consultório consolidado, ela poderia muito bem se dar por satisfeita. Mas não. Cinco anos atrás, a também escritora e cofundadora do canal Minha Idade Não Me Define se aventurou na internet, criando o projeto Escritora no Divã e, dentro dele, o canal Sylvia Responde. Na época, ela queria uma nova forma de estar no mundo e trocar com as pessoas. Então, começou a postar vídeos no YouTube.

“Achei que seria importante abrir esta possibilidade de escuta para mais gente, pois sabemos o quanto muitos sentem necessidade de um esclarecimento, de uma palavra que possa trazer alguma nova percepção para aquilo que estão vivendo e, muitas vezes, sofrendo”, ela lembra.

Para rememorar o projeto que clareou dúvidas, angústias e curiosidades de seguidoras sobre temas como envelhecimento ativo, aprendizado contínuo, autoconhecimento, saúde mental e relacionamentos – e inspirou a criação do canal MINMD -, Sylvia foi entrevistada por nossa editora, Raphaela Mello. Confira, a seguir, os momentos mais marcantes desta conversa

Autoconhecimento é fundamental

Uma vez que vamos para a vida, ela nos dá uns tapas, nos derruba, humilha. Aí nos levantamos e fazemos de novo e de novo, porque assim é a vida. Mas é preciso sempre fazer um esforço no sentido de virar mais gente, de se aprimorar, com humildade. Esse é o papel da análise, mas não é só o trabalho terapêutico que nos faz refletir. A relação com o outro também é fundamental. Sem o outro a gente não se aprimora e não cresce, porque o outro diz de você, o outro sabe muito mais de você do que você mesmo, porque ele está te olhando de fora.

Aprenda a ser mais gentil consigo mesmo e com o outro

O autoconhecimento nos ensina a ter mais tolerância e a gente fica mais sensível, mais interessante, porque isso tem a ver com um desenvolvimento da alma. É a sua alma querendo se abrir para si e para o outro. Eu acho que a gente fica melhor, mais inteligente, mais tolerante. O laço de afeto é fundamental, isso não quer dizer que eu gosto de todo mundo o tempo inteiro. De jeito nenhum. Porque não sou santa e ninguém o é. E nem pretendo isso. Mas é uma questão de estar junto.

Busque sempre o melhor, mas sem se esgotar

A performance realmente esgota, exaure, pois tudo está em função de um objetivo, que está sempre além. Implica ao mesmo tempo um desafio e uma frustração contínua, pois nunca se chega nesse além. E você começa a ficar infeliz. Mais interessante é você ter prazer naquilo que faz. O que te interessa? O que te dá prazer? O que te deixa criar alguma coisa nova? Por aí você vai sair satisfeito.

Desejar é impulso para viver

Sem desejo a gente não tem jeito. Não me refiro ao desejo de comprar uma bolsa. Desejo é um impulso para a vida. É movimento. Você vai atrás daquilo de que gosta, que te interessa, que você ama, que te carregue. Qualquer coisa que você deseje vale, não tem que ser algo superespecial. Se você deseja e tem prazer em cozinhar, em cuidar de filho, em costurar, é o que importa. Quando o desejo fica esmaecido, é só dar um tempo, porque ele volta. Não adianta forçar. Tem que ter uma certa tolerância nas fases de maré baixa. E também confiar em você. Afinal, você já construiu tanta coisa ao longo da sua vida.

Tristeza não é depressão

Às vezes, sentimos uma certa tristeza, uma melancolia, que faz parte de ciclos, como um fluxo que vai e volta; outras vezes, é uma coisa mais profunda, mais longa, mais escura, sem perspectiva, vendo tudo de forma negativa. Se esse quadro persistir por 15, 20 dias, é preciso prestar atenção e procurar ajuda especializada. É importante salientar que também existem depressões excitadas, com agitação e excesso de atividades. Trata-se de um comportamento maníaco justamente para a pessoa se defender da depressão. Aliás, vivemos numa época em que todo mundo faz tudo ao máximo: se diverte ao máximo, bebe ao máximo, trepa ao máximo, faz ginástica ao máximo. No entanto, tudo isso é sinal de desconexão consigo próprio. Um perigo. Lembrando que o psiquiatra é o médico responsável por prescrever as medicações aos pacientes. Por outro lado, tem pessoas que tomam remédio como um modo de vida, um meio de se acalmar ou de dizer “estou muito doente”. É preciso investigar com que propósito o medicamento está funcionando naquela pessoa, naquele momento.

Como se reconectar com seu interior

Para iniciar qualquer processo terapêutico, você tem que querer, precisa ter um desconforto de qualquer tipo, um sintoma que eventualmente deixa você doente, alguma coisa que você não entenda, que repete, um excesso de irritação ou falta total de ânimo. Ou então, vontade de querer pensar sobre a vida, rever algumas coisas. Às vezes, falta alguma coisa que você está procurando e não sabe nem o que é. Acho que esse é o momento de procurar uma análise. É uma abertura, uma fissura mesmo. Abre-se uma fenda de onde pode sair alguma coisa boa. Mas é preciso perder o medo de ficar consigo mesmo, de começar a ver coisas de si mesmo, sabendo que, por mais satisfeita que você esteja, tem uma falta o tempo inteiro e ela não fecha nunca.

Psicanálise é coisa para velhos?

Freud achava que a psicanálise para os velhos não tinha sentido, porque seu tempo tinha passado. No entanto, a psicanálise mudou muito nesses anos todos. Ter uma pessoa mais velha no consultório, porque realmente está interessada, é uma coisa riquíssima. Se Freud estivesse vivo, ele já teria mudado de ideia. Porque na análise a pessoa descobre coisas que estavam escondidas nela mesma, ela tem um lugar superprotegido para poder falar de si. Assim pode mexer em coisas envelhecidas, que ficaram muito tempo malvistas e envenenadas. Acho que estar mais perto da morte torna as pessoas mais sensíveis e mais conscientes acerca do valor do tempo. Porque o tempo é agora.

Peça ajuda: a dinâmica dos relacionamentos tóxicos

Esse tipo de relação é muito delicado, porque é muito ambíguo, misturado com sedução, com coisa boa, mas também com posse e manipulação. A mulher vai sendo enredada nessa história, fechada no relacionamento, cada vez mais tolhida. A autoestima está tão minada e ela já está tão desconectada da família e dos amigos que é muito mais difícil reunir forças para se desvencilhar. Muitas ainda têm medo de ficar sem o companheiro. Isso acontece em todas as idades e com gente mais velha também. Porém, muitas têm vergonha de comentar com família e amigos. Então, se essa mulher estiver se sentindo mal, precisa procurar uma ajuda fora, porque alguma coisa ela precisa fazer. É importante que ela consiga dizer “não”, trace limites, desestabilize a dinâmica que estava há tanto tempo estabelecida naquela relação.

O que fazer quando o tesão desaparece?

Observo que, depois de 40 anos de casadas com homens, numa relação em que o desejo acabou, mulheres se separam e arrumam um novo namorado. O que acontece? O desejo volta com tudo. O desejo não é lógico; ele é móvel. Vejo que os casais fazem muitas coisas. Assistem a filmes eróticos, abrem o casamento, enfim vão inventando. Acho que em uma boa relação eles podem conversar e, a partir daí, inventar alguma coisa nova, achar um jeito. O desejo nunca é satisfeito, pela própria natureza dele, que é movimento. Então, num casamento estabelecido há 40 anos, o desejo acaba, porque está tudo ali, o casal sabe o que vai acontecer. O desejo implica num mistério, num perigo. Se eu tivesse um conselho para dar, diria que homens muito bonzinhos acabam com o desejo da mulher. Porque elas estão sempre inventando moda. Tem que ter uma coisa ali entre os dois que dê tesão. Vale manter uma vida própria, ter algumas coisas que são suas. Não abra tudo para sua mulher, seu marido, seu companheiro.

Encarando o medo de envelhecer

Não tem jeito. Todas nós vamos envelhecer. Como dizem, melhor aceitar que dói menos e fazer o melhor possível. Quando eu tinha 40 anos, era ótimo, só que nem tanto. Estou mais sossegada agora, porque naquela época eu tinha muita aflição, muita angústia, muito medo de envelhecer, muito tudo. Então, se, por um lado, eu tinha força, juventude, beleza, por outro, eu não tinha o que tenho agora. Então, aproveite cada idade, porque elas não voltam. Acho fundamental ter um projeto na vida, algo que te faça levantar da cama e ter prazer. Porque a vida é um presente que você recebeu e não fez nada por merecer. Do mesmo jeito que ela pode ser muito interessante, também é muito difícil. Lógico, não sou ingênua, vejo o que é a vida para quem tem problemas. Mas, se você tem condição de aproveitar a sua, faça isso, porque cada momento é único e passa.



Comentários

2 respostas para “Arte de envelhecer: bate-papo com Sylvia Loeb”

  1. Avatar de Soraya Ferreira
    Soraya Ferreira

    Muito feliz em descobrir esse canal. Já sigo o Instagram. Conteúdo muito pertinente.

  2. Avatar de Lidia Izecson
    Lidia Izecson

    Parabéns, gostei mto da entrevista e dos demais conteúdos.

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