A Alexa, atrás do laptop, chama com a voz do meu neto: Vovó! Oi Nico, estou aqui! Vovó, estou escrevendo uma história de uma raposa e queria sua ajuda. Criei um documento no Google Drive e compartilhei com você. Vai lá olhar? Eu fui. E ficamos criando juntos durante horas uma história “de terror” envolvendo uma raposa que insistia em aparecer nos lugares mais inesperados.
Explico: meus dois netos moram no EUA. Sou uma mãe e uma avó à distância. E já vou avisando, não é fácil. Seria mais fácil se eles estivessem aqui perto? Não faço ideia! E nem gosto tanto assim de começar frases com “e se?”, em geral, perfeitamente inúteis.
A pandemia nos ensinou alguma coisa sobre criar e manter vínculos usando as telas, os zooms, os meets. Em algum momento, lá no início, uma amiga, artista plástica, e eu resolvemos criar um livro para ler e mostrar para nossos netos distantes. Ela fez as ilustrações e eu fiz o texto. A história envolvia um elefante, Elepha, e uma cobra, Python, que queriam ser amigos mas isso parecia quase impossível, porque afinal eram tão diferentes. Escolhemos como cenário a África porque queríamos que eles percebessem como o mundo era grande e diverso. Os netos de minha amiga vivem em Tel Aviv, em Israel. Os meus, em Palo Alto, na Califórnia.
Foram várias histórias contadas nas telas ao longo dos anos de recolhimento impostos pelo COVID. Aprendemos com isso.
Para viver avozices à distância, há que se fazer o exercício de conhecer sem conviver com essas criaturinhas. A pergunta, do que eles gostam, tem respostas efêmeras. Eles crescem, mudam de interesses, e tão rápido! Mas você precisa ouvir e acolher e estar atento, sobretudo às mudanças.
Nico, o que você anda lendo? Percy Jackson, vovó! Vamos criar um bookclub e ler todos juntos? Vamos! E lá fomos nós, avós e tios (simmmm, todos) mergulhar nos vários volumes da história de Rick Riordan. Alguns de nós, apenas leram o título, é preciso confessar, eu li todos, porque acabei me apaixonando pela ideia de colocar uma camada de mitologia grega na vida de crianças vivendo em ambientes modernos. Mais importante, tínhamos uma troca. A Nina, menorzinha, quis entrar na brincadeira dos bookclubs. Não durou muito, mas nada dura, certo?
Outra atividade que funciona bem nas telas é ver filmes e séries juntos. Claro, fusos horários são uma atrapalhação, mas vale insistir porque esses são momentos muito reveladores das questões e reflexões que andam passando pela cabeça deles. Assistimos juntos a vários episódios de Young Sheldon, e que delícia os comentários: Nina, vc acha que é difícil ser a irmã do Sheldon? Muito difícil, vovó, ela precisa se sentir boa de outro jeito….
Gosto de manter algumas tradições, como comprar lembrancinhas de banca de jornal, como fazíamos quando eles estavam aqui, na volta da escola. E descubro que a Amazon tem uma farta seleção de mimos, à um clique e alguns (bem) poucos dólares de distância. Cria assuntos…cria aproximações…
Quando eles estiveram aqui da última vez, eu tinha me preparado para a corrida que o Nico costuma dar na minha direção, que termina num abraço de urso, e exige um certo preparo físico. E lá estava ele, tão maior do que eu conseguia imaginar. E veio na minha direção, rindo, vovó!!!! Algumas coisas não mudam. Um viva para as horas gastas na academia!
Estou convencida de que é o vínculo que importa. Esse elo que precisa ser polido, valorizado, usado da forma possível nas miudezas do dia a dia. Isso eu falei com minha avó, isso eu ganhei da minha avó, isso minha avó contou pra mim.
Fazer parte da vida, ainda que apenas imaginada, dos seus netos é o que precisamos construir para preservar essa relação dos efeitos da distância. Do lado de cá da tela, a gente enxuga bem rápido a saudade e se delicia imaginando, já já é Natal, e eles estão chegando!