“Depois dos 50, dos 60 anos, o ‘mercado amoroso’ se fecha para as mulheres”.
Claro que você já ouviu essa frase por aí e eu te pergunto: será que é isso mesmo?
O arrebatamento amoroso, quando a gente embarcava em romances sem perguntar onde aquilo poderia dar, não é muito compatível com a maturidade pelo simples fato de que estamos sem tempo para gastar com o que – e principalmente com quem – não nos interessa. Não dá mais para desperdiçar energia amorosa, disposição afetiva e a nossa generosa dedicação com quem possa colocar nosso bem-estar, tão duramente conquistado, em risco. Por isso, convém ligar o sinal de alerta nos seguintes casos:
Ele fala mal da ex. É o primeiro descartável da lista. Alguns homens acreditam que o discurso desabonador da ex seja bom caminho para mostrar à pretendida que ele está inteiramente disponível para um novo amor. É o contrário. Em Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico, Freud fala desse comportamento como fixação num amor passado. Em outras palavras: obsessão pela ex. E, sendo assim, quem é que vai querer gastar horas se produzindo para um jantar romântico quando o assunto à mesa vai ser a ex do cara? Além do mais, toda mulher madura possivelmente é ex de alguém e sabe que qualquer história tem muitas versões; depende do narrador. Se a ex de alguém surtou, se deu piti, se fez barraco talvez ela tenha sido só mais uma mãe cansada, sobrecarregada, uma mulher que tenha suportado, calada, dezenas de episódios de abusos de todos os tipos. Mas isso é só uma das hipóteses… as outras? Bem, você não é parte da história alheia e é o caso de se perguntar se interessa se meter num enredo onde a protagonista não vai ser você.
Está em busca de uma enfermeira. Numa rede social, li o relato de um amigo de 50 e poucos anos em busca de uma companheira para “o resto da vida”. Ele falava em encontrar uma mulher que soubesse cuidar, que não ficasse cobrando dele toda vez que precisasse acompanhá-lo a uma consulta médica e que tivesse domínio sobre a “arte de uma boa massagem nas costas”. Perguntei se estava à procura de uma mulher para amar ou de uma enfermeira para cuidar dele porque, nesse segundo caso, teria de definir o salário. Meu amigo riu, manteve o texto ali e, pelo que sei, continua sozinho. Uma pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia em parceria com a Bayer, realizada antes da pandemia, mostrou que 43% dos homens brasileiros têm medo de envelhecer e 52% enxergam a velhice como uma ameaça. Talvez por isso busquem numa companheira a aliada para enfrentar a velhice. Claro que os percalços fazem parte do pacote amoroso. Mas será que esse é o melhor apelo quando se está em busca de uma história de amor?
O falido. A vida não foi generosa com esse homem ou ele não foi capaz de administrar seu patrimônio. Por ter sido incapaz de gastar dentro das suas possibilidades, ele deve para os bancos, para os cartões de crédito e (ele não vai te contar) está com o nome sujo na praça. A falência pode ter sido, inclusive, a razão do fracasso na vida amorosa deste sujeito até aqui. Um levantamento do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas mostrou que o dinheiro é o principal motivo de brigas entre casais. Claro que ninguém deveria se envolver amorosamente tendo o dinheiro como principal baliza, mas não tem como desprezar o assunto. Dinheiro nunca foi um tema fácil, não conseguimos falar dele nem mesmo quando decidimos morar sob o mesmo teto, imagine esmiuçar dívidas e rendimentos bancários quando a gente está chegando na vida de um ilustre desconhecido? Não dá, é nevrálgico. Mas é também um tremendo anticlímax fingir que não notou que ele empurrou a conta do restaurante toda pra você ou está evitando aquela viagem bate-e-volta no fim de semana porque não tem dinheiro para dividir a hospedagem num hotelzinho romântico. Maturidade compreende, entre outras coisas, arcar com as próprias despesas. Não se trata de procurar quem pague as nossas contas. Mas depois de viver 5 ou 6 décadas, bancar quem não soube cuidar das próprias finanças é uma daquelas armadilhas em que, faltando atenção e um tiquinho de malícia, facilmente se pode cair. Especialmente se o termômetro da carência afetiva estiver apontando para cima.
É machista e preconceituoso. Felizmente a vida não anda para trás. Tem muita coisa que nós, mulheres, já aceitamos e que hoje não pode mais fazer parte da nossa existência. Um homem que decide o tipo de roupa que vamos usar, que opina sobre o comportamento das nossas amigas, que manifesta ciúme quando conversamos ao telefone, que faz piada sobre estarmos engordando ou envelhecendo… esse tipo está em ‘desuso’. Relativizar o comportamento dominador e machista de um homem como se esse fosse só o jeito dele não é apenas incômodo; pode colocar em risco a nossa integridade física e mental. A juíza de Direito Fabriziane Zapata, uma das coordenadoras do Núcleo Judicial da Mulher, diz que a violência contra a mulher começa no machismo estruturante da sociedade brasileira. Acontece que nós não somos ONG para recuperar esse tipo de homem e é bom ter clareza de que ele não vai mudar porque você acredita que ele está apaixonado. Mais dia, menos dia, o abuso vai dar as caras e a primeira vítima será a mulher que partilha a vida com o abusador.
Tá em busca de uma novinha. Ele é desconstruído, faz questão de usar expressões da moda, se veste de maneira jovial e diz que mulher madura é mais interessante. Sim, é um fato: os homens preferem as mulheres inteligentes, que tenham opiniões formadas, que sejam capazes de se expressar livremente e sejam boas ouvintes, como apontou o estudo do biólogo David Bainbridge, que pesquisa a evolução humana na Universidade de Cambridge. Mas, saindo do mundo acadêmico, voltemos à vida real: esse homem aparentemente evoluído também consome pornografia escondido, se mostra muito atencioso e disponível com as amigas da filha, faz comentários de duplo sentido em redes sociais de mulheres jovens e, se a gente der uma stalkeada de leve, vai perceber que no hall de namoradas recentes estão moças 15 ou 20 anos mais jovens que ele. Não precisa muita sessão de psicanálise para entender que esse homem está em busca da juventude perdida e tem muito medo de envelhecer. Pode até ser uma figura interessante, divertida, amorosa, mas é também um embuste que na primeira oportunidade vai meter o pé para construir uma história de amor com alguém que poderia ser a filha dele.
Quer casar. Por muitas razões, um homem com mais de 50 ou 60 anos quer se casar. Quase todas remetem ao medo da solidão. A antropóloga Miriam Goldenberg, que pesquisa o envelhecimento há mais de 30 anos, diz que os homens esperam que as filhas ou as esposas cuidem deles na velhice, enquanto as mulheres dizem que cuidarão de si mesmas ou vão contar com a ajuda das amigas. Se isso ainda não responde à pergunta sobre a aversão das mulheres mais velhas ao casamento, o poder sobre a própria liberdade vem como argumento inquestionável. A vida nos levou a entender que casamento não é porto-seguro, nem garantia, não é conforto para ninguém. Para muitas mulheres, casamento foi sinônimo de encarceramento, trabalho, desgaste e um desfiladeiro de concessões. Ainda que a história tenha sido boa, para as mulheres mais velhas não precisa se repetir. Elas não querem mais ser coadjuvantes da história de um homem. Não querem ser cuidadoras. Não querem quem lhes diga o que fazer, que horas voltar para casa, em que festa ir, que amigas ter, o que fazer e o que não fazer. Se é para ter experiências, que elas sejam novas.
Feitas tantas considerações – e nenhuma delas é definitiva porque sempre dá para mudar de ideia – bom lembrar que histórias de gente não são contadas no plural. O jeito que cada um constrói a felicidade é único e particular. Receita de bolo funciona em confeitaria; na vida, cada um que costure o próprio enredo sob medida.