“Amo meu corpo do jeito que ele é e, finalmente, fiquei em paz”

Nasci, cresci e vivo, sem bunda, no Brasil. Até hoje. Tenho 58 anos, sou Engenheira Agrônoma, Doutora em Nutrição Animal e professora universitária. Divorciada. Isso aí. Sou brasileira e nunca tive bunda. Desde bem pequena, ouvia minha mãe e minhas tias dizerem que eu era chulada.

Por ser localizada nas costas, a bunda só é assunto quando a gente vai embora, e, na maior parte das vezes, não se comenta sobre o tema na frente de um desbundado. Vive-se na inocência, acreditando que só as pessoas mais íntimas observam o nosso desbunde e, assim, atravessamos a infância, na certeza de que a tal da bunda vai aparecer na adolescência, quando os hormônios estiverem bombando.

Um belo dia a adolescência chega, nos presenteia com seios (sempre adorei os meus), mas bunda, que é bom, nada. Você pode até ter a ilusão de que algo está surgindo, quando passa as mãos por trás e sente uma anca querendo aparecer, mas logo uma amiga “sincerona” dispara: “Você é até bonitinha quando chega, mas quando vai embora… Cadê a bunda?”

Ouve-se de tudo: “Vai ser difícil alguém te querer”; “brasileiro não gosta de mulher achatada”. E por aí vai. Pense no que é ouvir essas sentenças, no tempo em que nem existia silicone, no tempo em que a gente achava que veio ao mundo para encontrar a metade, que o sonho de toda menina era se casar…

A loucura era tanta, que, na minha cabeça, eu achava que, para transar, era preciso ter bunda. Imagine! Sem ela eu não iria transar nunca! Apesar da ausência de glúteos, vieram os primeiros namorados, a primeira transa, e eu logo percebi que gozar nada tinha a ver com essa questão física. Um alívio!

Apesar de ter transado tarde (por puro medo de mostrar minha bunda), eu engravidei cedo e, com a gravidez, lá se foi a minha última esperança de botar um tico de nádegas. Lembro-me que até as velhas diziam que toda grávida tem bunda, pois a minha não deu as caras nem aos nove meses de gestação.

Muito bem na própria pele

Casei cedo, me separei cedo também. E segui minha vida sem traseiro, mas com muito fogo no rabo. Sempre adorei transar e, quando descobri que meu gozo nada tinha a ver com a bunda, aí que eu saí vivendo a vida. Sou apaixonada por ela, pelo autoconhecimento, pelo mistério das coisas e por todos os seres vivos.

Também sou um ser extremamente sexual. Gostava de transar de luz acesa, sem fazer pose, nem procurar o melhor ângulo para ser admirada. Meu prazer sempre esteve no meu cérebro e isso me ajudou muito. Entre quatro paredes, a ausência de bunda nunca me fez sofrer.

Entretanto, ainda que eu tivesse uma vida sexual muito legal, na sociedade eu não conseguia fazer as pazes com essa parte do meu corpo. Era uma coisa muito esquisita. O formato da minha bunda sempre decidiu que biquini, que roupa, que calça jeans eu iria usar, e isso me limitava muito. Era um inferno ter que fazer tudo para agradar o olhar externo.

Foi quando surgiu o silicone. No começo, só colocavam nos seios, porque nas nádegas era perigoso. Desde aquele tempo, meu desejo de turbiná-las sempre existiu, mas nunca tive coragem de confessar.

O tempo foi passando, namorei muito e, graças a Deus, nenhum homem me disse que não queria ficar comigo porque eu não tinha bunda. Nunca fui gorda, pratico bastante atividade física, tenho musculatura tonificada, mas minha bunda continua inexistente. A vida passou e só agora eu curto tocar, ver e mostrá-la.

Há algum tempo venho pensando no tanto que sofri por causa dessa questão anatômica e como foi libertador fazer as pazes com ela. Não me rendi ao silicone e amo meu “corpicho”, do jeitinho que ele é. Que meu relato seja inspiração, porque ninguém merece sofrer por bunda nenhuma.


*A personagem desta história preferiu preservar sua identidade.

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