solteirona eu?

Solteirona, eu? O estigma social que apavora tantas mulheres

Nasci junto com os anos 1980. Lá pelos 9, 10 anos, me recordo de ser visitada por um medo bem específico: o de ficar “solteirona”. Sempre que olhava ao redor e via mulheres que não tinham se casado nem se tornado mães, era como se eu me defrontasse com uma paisagem muito feia. “Que sina horrorosa”, pensava e imediatamente espantava a ideia para que ela não resolvesse grudar na minha pele. Comigo seria diferente. Claro.

Naquele tempo, mulheres “encalhadas” arrastavam um manto triste, encharcado de constrangimento público e de autocomiseração íntima. Fracasso. Vexame. Vergonha de ser a única solteira num salão infestado de casais. Nunca imaginei que eu me tornaria uma delas – em alguma medida. Veja como são as coisas. Estou aqui para contar a você que tenho 42 anos, que não me casei e nem tive filhos. Fiquei pra titia, então?

Aos olhos de muitas pessoas, sem dúvida! “Puxa, você é bonita e inteligente, por que não se casou?”. Vezes demais fui interpelada como se fora um enigma incômodo. As entrelinhas gritavam: “Alguma coisa deu muito errado”. Felizmente, estamos no século 21 e posso refutar o estigma. Tenho orgulho da mulher que me tornei e ainda sou avalizada pelo espírito deste nosso tempo diverso e inclusivo. Mas demorou para eu poder sentir de verdade o que acabei de escrever.

O sonho da maternidade

Eu tinha três bebezinhas ajeitadas em caixas de papelão-berços na minha brincadeira de casinha. Posso sentir agora o amor que elas despertavam em mim. Enorme. Real. O marido aparecia no porta-retrato, cuja foto estampava um galã de revista. Esse sonho me acompanhou por décadas. Cá entre nós, como é fácil a gente se apaixonar pela vida que não viveu e que, na nossa idealização, é mais que perfeita, concorda?

Muito bem, os anos foram passando e os casos afetivos ficando pelo caminho: uns tiveram algum fôlego, outros nem chegaram a tanto. Enquanto isso, as amigas foram noivando, se casando, engravidando e parindo lindos bebês. Compareci às suas festas e aos seus chás, visitei-as em seus puerpérios, depois prestigiei os aniversários infantis, embora estivesse do lado de fora daqueles cenários. Vibrei por elas; chorei por mim. Como eu poderia ser uma mulher completa sem uma família gestada por meus próprios meios?

Aos 34 anos, ouvi uma sirene. Instintivamente, saí em busca de mim mesma. Foi quando tomei meu lugar no Mulheres em Círculo, grupo de estudos e vivências, coordenado pela Dra. Cristiane Marino, que se dedica ao resgate do feminino sagrado e ao cuidado amoroso com a existência.

De mãos dadas com mulheres sensíveis e profundas, me embrenhei na leitura do clássico Mulheres que Correm com os Lobos (Rocco), da analista junguiana Clarissa Pinkola Estés. Um portal sem opção de retorno. Não tinha como eu saber, àquela altura, que eu viraria outra, e depois outra e outra, a cada imersão nesta obra inesgotável. Detalhe: nessa época, minha vida profissional desmoronou e tive de voltar a morar na casa dos meus pais. Outro pesadelo tornado realidade. Mais um golpe no meu ego já combalido. Ah, se não fossem os anos de terapia…

Parceira de si mesma

Bom, pra resumir, estou até hoje neste grupo fantástico, no qual desembarquei menina assustada e, aos poucos, fui aprendendo a ativar meu faro, a invocar meu lado selvagem, tadinho, drasticamente domesticado. Só ele me faria descobrir coisas que eu jamais teria aprendido na escola regular da sociedade. A mais importante delas talvez seja a percepção de que eu posso e devo ser boa comigo mesma.

Me tratar com gentileza, paciência e compaixão. Me perdoar sempre que possível. Me acalentar e me celebrar, do jeito que sou. Ser minha maior parceira. Afinal, quanto mais perto do meu centro eu estiver, mais coisas valiosas irão transbordar, para o regozijo de me reconhecer criadora do que me nutre, como também para o alento de quem estiver em meu perímetro.

Não vou mentir e dizer que não me sinto só, porque eu me sinto. Muitas vezes. Mas, hoje, consigo olhar ao redor e enxergar a teia robusta de relações que eu teci nos últimos anos sob a luz tênue da cumplicidade que só se pode experimentar entre buscadoras. Inclusive, recentemente, criei uma Roda de Mulheres e Escrita. Nesses encontros presenciais compartilho o sumo do que angariei nessa minha jornada de mulher una em mim mesma. Também honro o legado de grandes escritoras e ainda me maravilho com os textos das participantes. Para falar sobre as belezas que temos colhido juntas, teria que começar outro artigo. Deixo, então, a promessa aqui registrada.

Enquanto isso, vou tratar de viver e de me encantar com as delicadezas do caminho, que me revitalizam a cada desbravamento. Porque o horizonte é muito mais largo do que a menina na casa de bonecas poderia imaginar. E porque não existe um cronômetro marcando o tempo no qual uma mulher pode se valer da sua existência para frutificar.

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